Por Cássio Moreira
Em artigo anterior (http://sul21.com.br/jornal/2012/10/psb-e-a-continuacao-de-um-projeto-de-nacao-o-trabalhismo/), mencionei o fato de o PT ser o maior partido trabalhista do país na
atualidade e a possibilidade do PSB continuar esse projeto reeditando a chamada
Frente Brasil Popular [trabalhista] (em parceria com PDT e PCdoB, entre
outros). Contudo, essa afirmação deve ser esclarecida. O PT não nasceu
trabalhista, entretanto, seu governo atual é trabalhista, principalmente a
partir da ascensão da presidenta Dilma Rousseff no núcleo do poder. Embora
quase todas as reformas de base ainda se encontram na pauta do dia, várias
ações executadas pelo governo, como o programa “Minha casa minha vida” (outro aproche
para a Reforma Urbana), a expansão da Rede Federal e do PRONATEC (Programa
Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego), o PAC, a própria redução da
taxa de juro, entre outros, vão ao encontro dos postulados trabalhistas.
Cabe contextualizar e esclarecer o conceito de trabalhismo adotado aqui:
o conceito do trabalhismo, tal como desenvolvido na Inglaterra, passou por transformações,
adaptando-se à realidade e adquirindo características próprias.”, e teve como
um de seus principais ideólogos, o sociólogo e político Alberto Pasqualini, que
tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã).
Definia-se o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo
solidarista. Por esta expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o
capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade
privada. Porém, a ideologia trabalhista defende uma intervenção do Estado na
economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma
forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas
públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que
seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a
prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica,
bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, através da melhor
distribuição da riqueza e da promoção da justiça social.
Parafraseando Moniz Bandeira, o trabalhismo, foi a manifestação
nacional, brasileira, do que na Europa foi a social-democracia após a guerra de
1914/1918, ou seja, uma corrente política que tratou de empreender reformas
sociais dentro da moldura do sistema capitalista. Assim o governo do PT de
Lula-Dilma estão a empreender, em outra etapa e em novas condições históricas,
um caminho similar ao que Vargas, JK, Jango e o PTB trilharam, até o golpe
militar 1964, buscando a retomada do desenvolvimento econômico nacional,
mediante o entendimento entre parte do empresariado e a classe trabalhadora, e
instrumentalizando a política externa. Mas as condições históricas são
diferentes. Nada se reproduz do mesmo modo. O Brasil de 2012 não é o de 1954
nem o de 1964. É outro. É uma continuação, uma projeção, mas não é o mesmo de
outrora. Por diversas vezes, Vargas e Jango foram acusados, na época, de serem
submissos aos ditames de Washington. Inclusive San Tiago Dantas, na época,
chegou a diferenciar a esquerda entre “positiva”, defensora das reformas, da
“esquerda negativa”, que queria fazer a revolução. O espetáculo hoje se repete.
A internacionalização da economia é imensamente maior do que na época de Vargas
e de Goulart. Lula já encontrou o modelo neoliberal implantado. Não podia nem
pode voltar atrás. Porém, parou as privatizações. E sua política financeira não
poderia ser outra, porque manter o eqüilíbrio fiscal, não gastar mais do que se
arrecada, é imprescindível a qualquer regime. Com inflação, moeda podre, não
pode haver redistribuição de renda. Se Lula agisse de outro modo seu governo
seria tragado pela crise econômica e financeira, com a fuga de capitais que se
desencadearia.
A seguinte passagem de um dos discursos de Pasqualini é muito
esclarecedora para definir sua essência:
“O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um
movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto
é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura
social.
Abstraindo das diferentes concepções socialistas -
incompatíveis com os princípios cristãos quando têm caráter materialista - e
considerando socialismo simplesmente a socialização dos meios de produção, de
circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que o
sistema seria inexequível num país como o Brasil.
Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa
privada, isto é, no regime capitalista. Mas, se é conveniente que se mantenham
em seus delineamentos gerais, a estrutura do regime capitalista, isso não
significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir
e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia
solidarizar-se com um capitalismo de caráter individualista e parasitário; em
segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certas riquezas e certas
formas de poder econômico que devem ser socializados.
Nos sistemas individualistas, o capital visa
exclusivamente o lucro, que poderá proporcionar a seus detentores
possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do
trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de
capitalismo. Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios
instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela iniciativa e
atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento
da economia, e o bem-estar coletivo.
Consequentemente, o lucro não deverá ser o produto
da exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário,
deverá constituir aquela parte do produto social que é invertida para a criação
de novas riquezas e produção de bens.
O capital de caráter meramente especulativo e
explorador não poderia encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento
trabalhista. O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à
circulação e à troca. Uma fábrica é capital, uma estrada de ferro também o é.
Não se pode ser contra o capital, o que seria absurdo. O capitalismo, porém, é
uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa propriedade ou
essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é,
evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há
sempre uma parcela de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte
que está cristalizada no aparelhamento produtor.
Se alguém por exemplo, por meio de um empréstimo,
constrói e instala uma fábrica, esse empréstimo terá que ser amortizado com os
lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa a não remuneração de uma
parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar a ideia,
suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como
salário, o que ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado
algum. Isso significa que, para que o sapateiro
tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente
produz.
Com relação ao lucro que invertido, essa usura
existirá em qualquer sistema. O capital é uma acumulação de lucro, isto é, de
trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, o capital não se
constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora,
a taxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário
nominal. Se alguém, por exemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que
pagar duzentos cruzeiros de impostos, o salário real estará reduzido a
oitocentos cruzeiros.
Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o
valor integral do trabalho, não poderia haver inversões, isto é, não seria
possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meios correlatos, isto
é, o capital. A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça
social. Pode haver injustiça na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista,
sempre que o consumo exceda os limites razoáveis da remuneração devida à
atividade empreendedora.
O problema, pois, não é o da existência ou supressão
do lucro e sim o de sua aplicação. O capitalismo, portanto (isto é, a
exploração privada dos meios de produção, circulação e troca) será injusto na
medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites, à
custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que,
para alcançar essas possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais;
será, por fim, inconveniente na medida em que tumultue o processo econômico,
dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que são uma consequência
natural da liberdade de
iniciativa e da livre concorrência.
E de perguntar como será possível corrigir,
praticamente, as injustiças e inconveniências
do regime capitalista. Poder-se-á responder que, se
não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las. Taxar, por
exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões
socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos
capitalistas para as suas verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos
de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o produto da taxação custear serviços
de assistência social, será outra forma de corrigir certas injustiças. Será uma
maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver
os problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o
trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social.
Onde o sistema socialista de economia desse piores
resultados que o capitalista, não haveria conveniência em substituir este por
aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica, os operários ganhem, em
média, x e o patrão lucre y. Com sua
socialização, poder-se-á, sem dúvida, abolir o lucro, mas se a fábrica passar a
ter uma administração pior, de modo que se encarecerá o custo da produção e do
modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem ao consumidor,
quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesse
aumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a
abolição do lucro seria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar
resultados quando a administração daí empresa socializada pudesse ser mais
eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, seria necessário um alto
nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens.
A socialização integral dos meios de produção, no
estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o
Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos
para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado,
evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica.
Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos
homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da
produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses
capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade.
Será desnecessário esclarecer que há setores da
economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde
impere o puro regime capitalista. Há países de economia exclusivamente
socialista e países de economia mista”.
PASQUALINI,
Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.
* Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS)
e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre. www.cassiomoreira.com.br